A construção de uma performance musical pode pressupor relações entre gêneros musicais e sexualidade. No rock, o ritmo, o volume e a dança compõem muitas vezes um jogo performático que também envolve a sexualidade de seus participantes. Como dizem Simon Frith e Angela McRobbie no artigo “Rock and Sexuality” (1978)
“O rock é um pano de fundo sempre presente para dança, cortejo e namoro. ‘Rock’ n’roll’ era originalmente um sinônimo de sexo, e a música tem sido um motivo de pânico moral desde que Elvis Presley primeiramente girou seus quadris em público. Foi igualmente um motivo para que os defensores da permissividade sexual – os contraculturalistas dos anos sessenta – elegessem o rock como ‘libertador’, o meio pelo qual o jovem poderia se libertar dos adultos e sua repressão” (p. 317).
Talvez Elvis Presley tenha escancarado, nos anos 50, o poder da junção de uma música extremamente dançante com a propagação midiática de uma juventude em vias de contestação de antigos dogmas sociais. Seu rebolado era realmente ousado e sugeria o ato sexual na própria performance.
A cena do cantor rebolando no programa The Ed Sullivan Show tornou-se clássica por isso. No vídeo acima (de outubro de 1956), podemos conferir não apenas o artista e seu rebolado, mas também muitos gritos histéricos de uma plateia predominantemente feminina. Esta foi a segunda apresentação do cantor no programa, e também a mais polêmica. Anteriormente, Elvis tinha apresentado (em setembro de 1956) a canção “Love Me Tender”, em uma performance romântica e comportada, que pode ser conferida aqui.
A partir de um estudo de Norma Coates (2007), Ariane Holzbach (2010) afirma que o próprio Ed Sullivan não gostava de Elvis “e chegou a afirmar publicamente que jamais convidaria o cantor ‘imoral’ para seus palcos” (p. 12). O rebolado do cantor – assim como muitas das performances de funk carioca hoje em dia – era um problema moral, que obrigou os cinegrafistas do Ed Sullivan Show a filmarem sua terceira apresentação, em janeiro de 1957, “apenas da cintura para cima, numa tentativa de ‘proteger’ as famílias norte-americanas do apelo sexual de Elvis”. No vídeo, podemos conferir a tão comentada cena do Elvis censurado e sua aparição transmitida apenas da cintura para cima.
Logo, o rock é um gênero musical que desde seu início é relacionado a juventude, transgressão e sexualidade; mas também, fortemente mediado por meios de comunicação como a televisão e o rádio; e ainda, diretamente ligado a tecnologias como amplificadores, microfones e instrumentos eletrificados. O rock surgia, então, como um meio de comunicação extremamente midiático e relacionado também ao apelo sexual. Seu ritmo acelerado era um perfeito convite à dança e ao requebrado de quadris. Tal junção permitiu uma mistura explosiva e muito sedutora à juventude, como uma bela metáfora de modernidade urbana: os altos volumes; a eletricidade; os ruídos; a aceleração.
Talvez um dos melhores exemplos ao vivo da união entre tais tecnologias e a performance sexualizada esteja em Jimi Hendrix. O cantor, compositor e guitarrista possuía uma relação muito ímpar com a guitarra. Em muitas de suas apresentações, temos a impressão de que o músico realmente performatiza o que seria uma relação sexual com o instrumento.
https://youtu.be/RPc9kFtbR3M
Steve Waksman (2001) aborda o processo tecnológico (eletricidade, amplificadores, pedais de guitarra) utilizado por Jimi Hendrix em suas apresentações. O autor descreve uma apresentação em particular, no Monterey Pop Festival, em 1967, onde o músico utiliza ruídos eletrônicos extraídos de sua guitarra na composição da performance, simulando uma relação sexual com o instrumento e também os amplificadores.
Steve Waksman descreve com clareza a apresentação acima, ressaltando a guitarra de Jimi Hendrix como uma fusão de homem e máquina, o que para o autor, seria um pênis substituto, um “falo tecnológico”:
“Adicione a esta cena uma imagem fixa de Hendrix na mais óbvia pose fálica de seu corpo arqueado ligeiramente para trás enquanto toca guitarra nas costas, o pescoço saliente de seu instrumento através de suas pernas como um pênis substituto, cercado por seu grande punho negro. Nesses momentos, que não são fatos isolados no contexto da carreira de Hendrix, ele especificamente e intencionalmente manipula sua guitarra para que tome a forma de uma extensão tecnológica do seu corpo, um ‘falo tecnológico’. A guitarra elétrica como falo tecnológico representa uma fusão de homem e máquina, um apêndice eletrônico que permitiu a Hendrix mostrar sua instrumentação e, mais simbolicamente, suas proezas sexuais” (p. 68).
A relação de Hendrix com sua guitarra também pode ser interpretada como uma união de corpos entre homem e mulher. A comparação da guitarra com a mulher ou com o falo tecnológico é útil aqui para observarmos que a união entre corpo humano, guitarra e tecnologia pode criar uma performance única que também entra na valoração da música de determinados artistas; e que funciona de forma determinante na constituição do rock como um gênero musical ligado a juventude, sexualidade, mídia e tecnologia.
Referências
COATES, Norma. Elvis from the waist up and other myths: 1950´s music television and the gendering of rock discourse. In: BEEBE, Roger & MIDDLETON, Jason (Orgs.). Medium Cool: music videos from soundies to cellphones. Duke University Press, 2007.
FRITH, Simon; MCROBBIE, Angela: Rock and Sexuality. In: FRITH, Simon; GOODWIN, Andrew (Orgs.). On Record: rock, pop, and the written word. Taylor & Francis e-Library, 2005.
HOLZBACH, Ariane. Excesso, esquizofrenia, fragmentação e outros contos: A história social de surgimento do videoclipe. Intercom, 2010.
WAKSMEN, Steve. Instruments of Desire: The Electric Guitar and the Shaping of Musical Experience. Harvard University Press, 2001.