Ariane Holzbach
Sou alienada, fazer o quê?
Mesmo correndo o risco de receber olhares e bocas de reprovação, gosto muito de provocar amigos e alunos fazendo esta afirmação. Como em geral eles têm relação com Comunicação, logo compreendem que não estou fazendo um mea culpa de coisa alguma, mas apenas sendo irônica por causa da ligação feita, durante décadas, entre cultura pop e a ideia de aculturação. Ainda hoje, em muitos contextos, a cultura de massa é apenas percebida negativamente, como se gostar e consumir canções das FMs, filmes “blockbusters”, livros “pops” e séries de TV significasse cometer todos os pecados bíblicos definidos desde o início dos tempos.
Se assim fosse, todos os infernos e purgatórios da Galáxia teriam de trabalhar em sistema de rodízio para não engarrafar os autos de punição…
Por causa de minha profissão (e de minha personalidade, of course), sou totalmente obcecada por produtos midiáticos. E quanto mais as pessoas consomem, mais eu presto atenção nas belezas e nos problemas desses produtos.
Britney Spears, assim, é evidentemente um objeto meu de adoração observação. Britney, acho eu, talvez seja o perfeito exemplo contemporâneo da cultura pop: jovem com imagem de inocente que cresceu, surtou, engravidou, engravidou e voltou à ativa cultivando seus amáveis fãs. Quanto mais a mídia implicante legitimada a critica, mais os fãs a defendem. E mais argumentos encontram para sorrir e gritar felizes em seus shows.
Ano passado, cheguei a orientar a monografia de um aluno de graduação que fez um trabalho muitíssimo embasado sobre a reconstrução da imagem da cantora depois de seus problemas pessoais. Meu aluno (se ele deixar eu publico o nome aqui!) utilizou teorias voltadas para a Publicidade e o Marketing para mostrar as estratégias desenvolvidas em torno da artista que a ajudaram a melhorar sua imagem midiática. Como muitos, além de trabalhador sério, meu aluno é um fã de Brit.
Britney Spears cantando I´m a slave 4U e… dominando uma… cobra. Não é para ser metáfora, pois a cultura pop é explícita!
Este… poder? que Britney cultivou (devidamente assessorada e embalada na complexa e profunda cultura pop), permitiu que ela debatesse assuntos SERÍSSIMOS e factuais que, todavia, são normalmente embaçados pela cultura que se diz legitimada contemporânea. Os fãs de Brit sabem que ela sambou na cara dos tabloides, riu da cara dos maus jornalistas, gritou para o mundo que as mulheres têm poder – duas vezes! – três vezes! – de uma maneira muito mais rica do que sugere a vã filosofia.
Um dos trabalhos de Britney que mais adoro me surpreende está na canção 3 – assim mesmo, como o número –, cuja letra fala do elemento mais pop do Kama Sutra: o ménage à trois – dois homens (claro!) se relacionando com uma mulher. A canção não apenas é cantada em primeira pessoa – Britney convidando o… namorado? e mais alguém para… bem, você sabe, como coloca a religião Católica ironicamente tudo junto e misturado. No refrão, Britney afirma que os três amores são, na verdade Peter, Paul e Mary – Pedro, Paulo e Maria – evidentemente fazendo referência aos personagens da Bíblia. Além disso, a canção afirma que o ato é inocente (“what we do is innocent”), trata o sexo como se fosse um “jogo” (“are you in the game?), afirma que aquilo é feito só por diversão (“just for fun and nothin’ meant”) e muitos outros versos politicamente incorretos. Mas que precisam ser discutidos socialmente!!!!
Só que, como a cultura de massa aliena, ninguém presta atenção, não é mesmo?