Melina Santos, doutoranda da PPGCOM da Universidade Federal Fluminense, foi à Angola realizar sua pesquisa de campo em setembro deste ano. Foi com tanta vontade que não quis mais voltar, mas voltou e está compartilhando com o LabCult aos poucos as suas experiências com esse objeto tão inovador: Heavy Metal em Angola.
Nesta primeira parte, o depoimento é sobre o primeiro contato com os angolanos pessoalmente em Angola.
Relato de Campo
Não teria como começar este relato de campo sobre o Festival Rock Huambo 2014, sem a passagem simbólica descrita a seguir. Este diálogo ocorreu no momento de passar pela imigração, no Aeroporto Internacional 4 de fevereiro, em Luanda, capital de Angola. Deparei-me, por volta das 5 horas da manhã do dia 17 de setembro, com esta dinâmica:
Policial: Bom dia, mocinha!
Eu: Bom dia, tio!
Policial: Primeira vez em Angola? Qual seu período de estadia?
Eu: Sim… Meu retorno é dia 23.
Policial: Qual sua idade e profissão?
Eu: Tenho 29 anos, e sou pesquisadora.
Policial: Hmmm, pesquisa o quê, mocinha?
Eu: Cenas Musicais.
Policial: Olha, interessante! Veio pesquisar kuduro ou semba?
Eu: Não, tio. Pesquiso sobre metal e rock.
Policial: Você vem do Rio de Fevereiro para pesquisar sobre rock em Angola?! Querida, não tem isso aqui. Você veio para o lugar errado! Você tem de ir pros Estados Unidos ou para a Europa. Aqui não tem isso. Se você me falasse que veio pesquisar kuduro, eu acreditaria.
Eu: Tem rock aqui sim, tio. Errhh, tem rock aqui sim, senhor. (É neste momento que eu já começo a me preparar psicologicamente para ter minha entrada negada em Angola. Prato cheio para meus amigos rirem de mim)
Policial: Ei, mocinha, quem te convidou para vir ao país?
Eu: Sonia Ferreira, da ONG Okutiuka.
Policial: Hmmm… Sabes aonde vai ficar? Alguém vem te buscar?
Eu: Sim, sim.
Policial: Tudo bem, então. Vais entrar pelo sorriso. Boa sorte na sua pesquisa. Espero que você encontre o que está procurando. Bem-vinda a Angola.
Após este momento simbólico, caiu a ficha de que o rock e [e seus subgêneros] é BASTANTE marginalizado por lá. Mesmo que suas produções tenham sido divulgadas mundialmente com o documentário Death Metal Angola, do diretor Jeremy Xido (2012).
Outra questão que me veio à cabeça é como os próprios angolanos não acreditam que outros gêneros musicais, além do kuduro e da semba, possam ser produzidos no território nacional. Mas, este era só o início de uma chuva de questões que eu me depararia durante os cinco dias de minha estadia em Angola.
Após este momento simbólico, ainda tive um tempo para observar as dinâmicas no desembarque do aeroporto, enquanto esperava a carona do radialista Antônio Videira (rádio LAC). Antonio foi meu primeiro contato em Angola, e ajudou negociar meu campo com Sonia Ferreira, uma das organizadoras do evento. Antonio e sua esposa, Ana, foram dois anfitriões que cuidaram com todo carinho de mim, e devo muito a eles por ter retornado sã e salva para casa. Já na tarde do dia 17, observei como Luanda está em um “processo de aceleração do crescimento”, cercada por obras por todos os lados. Mas, ao mesmo tempo, podemos voltar ao passado com os prédios antigos que ainda estão de pé.
Fui convidada para dar uma entrevista sobre minha pesquisa no programa do radialista Pedro Fernandes. E este contato foi revelador, pois Pedro se demonstrou um conhecedor da História do país, assim tirei várias dúvidas com ele. O mais interessante é que esta conversa me fez pensar em como abordar esta questão do contexto histórico de uma forma que não seja ‘invasiva’ para os moradores. É complicado ouvir uma pessoa estrangeira falando de um período histórico tão complexo. É necessário ter cuidado ao abordar a memória histórica de um local o qual não se é nativa.
Após passar os dias 17 e 18 tentando absorver o máximo de informações sobre a história de Angola, até porque a data exigia isso [cheguei no dia do Herói Nacional, feriado comemorativo na mesma data de aniversário de Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, com o partido Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA)]. Entre minhas passagens, está o Museu Nacional de História Militar. De sua vista, podemos observar como processos históricos, econômicos, e suas diferentes temporalidades se fundem na arquitetura da capital.
Outro local que adorei conhecer foi o Elinga Teatro, e sua arquitetura colonial portuguesa. Há um movimento de artistas e entusiastas do local para que o prédio não seja demolido, devido à uma decisão governamental de demoli-lo.
Após este contato relâmpago com Luanda, eu me preparava psicologicamente para meu trabalho de campo no Festival de Rock Huambo, na província de Huambo, o qual já está em sua quarta edição, e aconteceria nos dias 20 e 21 de setembro. Para chegar a Huambo, pegamos um voo na manhã do dia 19, sexta, e chegamos por volta das 11h.
No aeroporto, pegamos um ‘táxi’ em direção à ONG Okutiuka, onde conheceria Sonia e a equipe da Associação Angolana de Rock, e as bandas que haviam chegado. As primeiras pessoas que conheci, além de Sonia, foram Yvanov (Zé Beato e os Desempregados), Bona Sky, Yuri Almeida ( Associação Angolana de Rock/Instinto Primário) e o DJ Manel Kavalera. De lá, pegamos uma carona com ela direto para o hotel.