A capacidade que a música tem de expressar sentimentos e criar e atribuir identificações é talvez uma das maiores razões para essa arte estar tão presente na vida no cotidiano de tantos indivíduos.
Hoje, com a aparente transparência da vida pessoal nas mídias sociais, cada vez mais as pessoas buscam se expressar e desabafar das mais diversas formas possíveis nessas redes. Uma delas é através da música, que, muitas vezes por si só é capaz de contar claramente uma história ou subjetivamente indicar um acontecimento da vida de um usuário dessas mídias.
Esse é um dos temas do projeto de pós–doutorado da Beatriz Polivanov, pesquisadora do LabCult que busca entender as apropriações de conteúdos musicais no Facebook, pesquisando as dinâmicas de construção identitária nesse ambiente e as implicações para materialidade da música na cultura digital.
O post abaixo, feito por um usuário no site, ilustra uma dessas apropriações, dentre tantos outros tipos possíveis.
A escolha pelo site de rede social Facebook foi feita por ser uma plataforma que permite a circulação de diferentes conteúdos (imagens, textos, links, vídeos) e conexão com outras redes, como o Youtube e o Instagram, o que complexifica e enrique a análise dos dados. Além disso, o Facebook não é voltado para música (como o são, por exemplo, o Sound Cloud, Last.Fm e MySpace), e sim para fins diversos, e isso é importante, segundo a pesquisadora, para se investigar a importância da música como marcador identitário e “propensora” de sociabilidade nessa plataformaque, atualmente, é o site de rede social mais utilizado no mundo.
Assim, uma hipótese da pesquisa é que a publicação de conteúdos relacionados ao universo da música popular massiva tendem a contribuir para a interação entre os usuários no Facebook por remeterem à memória, imaginário e afeto de muitos.
Outra ideia do projeto é mapear diferentes conteúdos relacionados a esse universo e que não estejam exatamente vinculados à expressão de um sentimento, mas talvez a uma forma de sociabilização como, por exemplo, conteúdos humorísticos que fazem menção a cenas ou ícones musicais e que podem gerar um maior engajamento na rede de contatos dos atores sociais, conforme ilustra o post abaixo
“Meu intuito é mapear esses diferentes conteúdos e tentar entender como estão sendo apropriados e como estão se apresentando materialmente”, resume Beatriz.
Quando questionada sobre até que ponto Beatriz acredita que as produções do self na rede são refletidas no dia-a-dia do usuário, ela diz que esse é um ponto complicado de afirmar, porque os atores sociais ao construírem e produzirem seus selves se apropriam de diferentes estratégias no site, e esse é um processo sempre contínuo e dinâmico.
“Algo que pesquisas têm apontado é que os sites de redes sociais são, em geral, ambientes não anônimos, isto é, lugares online onde sentimos confiança e/ou vontade de usarmos nossos nomes, fotos e informações sobre nossos gostos “reais”. Na tese discutimos sobre a noção de “coerência expressiva”, processo que diz respeito a essa busca de uma narrativa de si no Facebook que seja coerente com a(s) narrativa(s) que se procura construir no cotidiano off-line. Mas é importante ressaltar que esse processo está sempre sujeito a uma série de ruídos, rupturas e “desencaixes”, por razões diversas. Lá na tese propusemos, com base na pesquisa feita, que haveria ao menos três tipos de perfis pessoais – não institucionais/promocionais – no site:
1) os que poderíamos chamar de autênticos, autointitulados pelos informantes como “verdadeiros”, esses que buscam a coerência expressiva entre seus selves no Facebook e fora dele;
2) os perfis autointitulados “personagens” que, apesar de remeterem ao ator social/usuário (através do seu nome real, fotos publicadas etc.), são entendidos como uma construção pouco relacionada a ou exagerada de self off-line e
3) os chamados perfis “fake”, nos quais são utilizados nomes e fotos ou fictícios ou de outras pessoas, não permitindo que seja reconhecido o(s) administrador(es) do perfil”, complementa.
Para ela, tanto essas construções online quanto as off-line são complementares. “Somos apenas uma pessoa, “dentro” e “fora” da internet, e nos dois ambientes somos contraditórios, complexos, multifacetados e permanentemente “em construção””.