Coca-cola, Copa do Mundo, Tom Zé e Facebook. Juntas, essas tags tornam-se explosivas e reveladoras de disputas e valorações na arena de embates denominada “Tribunal do Feicibuqui” por seu principal protagonista, o cantor e compositor tropicalista Tom Zé.
A irônica nomenclatura tornou-se título do novo lançamento do artista, gratuito para download em seu site. O “tribunal” cibernético teve início graças à propaganda Coca-Cola – A Copa de Todo Mundo, narrada por Tom Zé.
Logo após o lançamento da propaganda, uma certa revolta foi instaurada na rede social Facebook, com alguns fãs (e outros nem tanto) tachado o artista de “vendido”, “traidor” e “Tom Zé bundão”. Nos comentários do video no Youtube, também podemos presenciar frases como “Tom Zé, seu vendido!” e “tom zé fechando os olhos para a verdade da copa, para tirar uns trocados. ele merece isso, pena que está indo contra o que pregou a carreira toda”.
Com extrema rapidez e sagacidade, o cantor respondeu à polêmica com o disco “Tribunal do Feicibuqui”, em letras hilárias como:
“Vendido, vendido, vendido! / A preço de banana / Já não olha mais pro samba/ Tá estudando propaganda” (Tribunal do Feicibuqui)
e
“Papa Francisco vem perdoar / O tipo de pecado que acabaram de inventar / O povo, querida, com pedras na mão / voltadas contra o imperialismo pagão / Sou a garotinha ex-tropicalista / Agora militando em um movimento / Já não penso mais em casamento / Mas se tomo Coca-Cola / acho que estou me vendendo” (Papa Francisco Perdoa Tom Zé).
A letra de “Papa Francisco…” faz alusão a outra canção tropicalista, “Alegria, Alegria”, composição de Caetano Veloso de 1967. A música causou arrepios na geração engajada da época (e seus tribunais de então, os famosos Festivais da Canção), com os versos “Eu tomo uma coca-cola / ela pensa em casamento / uma canção me consola / eu vou”, e também por suas plurais referências à cultura pop, mais o acompanhamento roqueiro (com a polêmica presença das guitarras elétricas) da banda argentina Beat Boys.
Pesquisando dinâmicas nas redes sociais, Raquel Recuero (2009) aborda questões sobre cooperação, competição e conflito como processos sociais que influenciam a rede. Segundo a autora:
“A cooperação é o processo formador das estruturas sociais. Sem cooperação, no sentido de um agir organizado, não há sociedade. A cooperação pode ser gerada pelos interesses individuais, pelo capital social envolvido e pelas finalidades do grupo. Entretanto, é essencial para a compreensão das ações coletivas dos atores que compõem a rede social” (pág 81).
Recuero explica que cooperação, competição e conflito são fenômenos naturais emergentes das redes sociais (pág 82). Nas redes mediadas por computadores, ambos continuam existindo, mas podem reconfigurar-se pelas especificidades tecnológicas de suas plataformas. No Facebook, “curtir”, “comentar” e “compartilhar” tornam-se ferramentas integrantes de tais dinâmicas, podendo ser usadas, inclusive, como distribuições de dádivas (MAUSS, 2001).
Tom Zé – Grande Liquidação (1968)
A relação não-conflituosa da tropicália com a propaganda e a tecnologia revela-se um interessante objeto de estudo. Já em 1968, o primeiro disco de Tom Zé chamava-se “Grande Liquidação”. No ano seguinte, os Mutantes causavam polêmica ao lançarem em disco a canção Algo Mais, jingle composto pela banda para uma propaganda da Shell.
Os Mutantes e a Shell. A propaganda foi lançada em jingle, mídia impressa e também no segundo disco da banda, em 1969.
Gilberto Gil, ainda que de forma tímida, abordava a tecnologia em canções como “Cérebro Eletrônico”, “Futurível” e “Cibernética”. Algumas décadas depois, cantaria “Pela Internet” com seus instigantes versos: “Eu quero entrar na rede / promover um debate / Juntar via Internet / Um grupo de tietes de Connecticut”.
Ainda promovendo o debate via internet, Tom Zé, em um post na sua página oficial no Facebook, comenta a polêmica sobre a coca-cola:
“Pois é, pessoal, estou preocupado. Eu dou importância à opinião de vocês. Essa alegria sempre me acompanhou. Quando o anúncio saiu na tv, imaginei que até as opiniões contrárias eram uma espécie de comemoração por eu aparecer com status de locutor de uma propaganda grande. Mas agora, quando perco o sono por causa do assunto…
…atualmente sinto paixão pela retomada do projeto dos instrumentos experimentais de 1972. Com a eficiente colaboração do engenheiro Marcelo Blanck, começamos a desenvolver alguma tecnologia, mas com recursos parcos, insuficientes. Os resultados estão nos animando muito. Aí entrou o anúncio da Coca-Cola que, mesmo sem ela saber, patrocinaria boa parte da pesquisa. Será que o uso dos recurss obtidos com o anúncio muda a avaliação de vocês?”
“Tribunal do Feicibuqui” revela-se assim uma divertida etapa em meio aos recentes embates mediados por computadores em rede. O disco conta com a participação de novos artistas da música brasileira: Emicida, Filarmônica de Pasárgada, Tatá Aeroplano, O Terno e Trupe Chá de Boldo. Mantendo seu caráter simbólico de disputas cibernéticas, foi disponibilizado em MP3 de forma gratuita no site do cantor, que pretende lançá-lo futuramente em CD, acrescido de mais músicas. Para baixar e participar deste grande tribunal cibernético, basta acessar: