Desde os versos da canção War Pigs, escritos pelos britânicos do Black Sabbath, a temática de críticas sociais, políticas, religiosas e econômicas compõem o universo do heavy metal. E não é à toa que, com as manifestações políticas ocorridas no país, muitas pessoas se apropriaram de canções do ‘metal’ para demonstrar sua indignação com os rumos do Brasil. Até aí, tudo bem. Mas, como toda regra tem sua exceção…
Uma trajetória controversa e curiosa de como um músico de heavy metal pode se tornar ‘chapa branca’ é a do venezuelano Paul Gillman, o qual tinha ligações estreitas com o ex – presidente Hugo Chávez.
Em 1981, influenciado por bandas como Black Sabbath e Iron Maiden, Gillman lançou o primeiro álbum da banda Arkangel, cujas letras abordavam a crise econômica e política que se instaurava no país. Com o segundo álbum, Rock Nacional (1982), o Arkangel se tornou inimigo número 1 dos políticos. Neste período, o movimento do rock nacional foi criado, tornando a Venezuela “la única bandera que define a un movimiento de rock em el mundo, e si no lo han notado todavía, es ROJA, porque rock es revolución” (GILLMAN, 2011, online). Observamos que a alta inflação, a falta de alimentos e a repressão policial são retratadas na canção “Calles violentas (de la gran ciudad).
“Calles violentas de la gran ciudad. Las que le infundem terror a la sociedad. Sabiendo ellos que son los responsables; La represión arresta al inocente. Y los criminales se burlan em las leyes. Y en la noche son los amos y señores” (ARKANGEL, 1982).
Ruas violentas da cidade grande
No terceiro LP, Represión Latinoamericana (1983), os conflitos socioeconômicos vividos pelos venezuelanos foram descritos em várias faixas do álbum. Da primeira canção, “Destrucción natural”, à última, “Ni plata, ni religión”, o cenário venezuelano é criticado pelos músicos. As falhas do sistema capitalista e, consequentemente, o desemprego, são temas da faixa “Desempleado”:
El jefe ha tomado una decisión. Estás despedido, te agarró la reducción. Quedaste sin trabajo, ¿qué le dirás a tu família? ¿Como sobrevivirán a esta cruda pesadilla? Desempleado, fruto de un sistema acabado. Desempleado. ¿Y ahora qué vas a hacer? La justicia en esto no se cumple. Y no tendrás derechos. Mientras no los luches grítale al mundo, tu desesperación. Y así quizás logres tu revolución. La situación se torna insoportable. Y todos sabemos quienes son los responsables (ARKANGEL, 1983).
Desempregado. E agora?
A postura revolucionária do músico persistiu nos álbuns da banda Gillman, como “Levantáte y pelea!” (1984). Quando o presidente Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, Paul Gillman, considerado inimigo dos governos anteriores, tornou-se um de seus principais defensores. Por certo tempo, ele chegou a mudar o nome de sua banda para “Paul Gillman y su Banda Bolivariana” em homenagem à “revolução bolivariana” de Chávez (VICE, 2011, online).
Levante-se e lute?
Acho que devo ser o único músico pró-governo da história do rock. Mas vou te dizer uma coisa: sou uma pessoa crítica. Já critiquei o governo. Critiquei funcionários do governo. Por exemplo, em meu próximo álbum tem uma música que fala de “um funcionário público que não funciona”, e é uma referência aos burocratas que oferecem um péssimo serviço. Estou feliz e acho que conquistamos muita coisa, mas não conquistamos tudo. Se amanhã, Deus queira que não, essa revolução trair o povo, vou tomar o lado do povo. Sempre ficarei do lado do povo, posso garantir (VICE, 2011, online).
Em janeiro de 2003, Gillman lançou o álbum Cuauhtemoc, com artes gráficas de Derek Riggs, criador do mascote Eddie do grupo Iron Maiden. Para a concepção do álbum, Gillman se inspirou na coragem do último imperador asteca, Cuauhtemoc, cultuado no México como ícone de resistência indígena. A ligação do headbanger com Chávez trouxe o retorno do guerreiro em grande estilo: com financiamento da produção pelo Instituto Autônomo Fondo Único Social (FUS). Nas artes da capa, referências ao Templo das Inscrições.
Gillman retorna em grande estilo
Em 2007, Gillman lançou “Inevitable”, com catorze músicas que exaltam o espírito revolucionário venezuelano, como a faixa “Reacciona señor”. O conteúdo da faixa chama a atenção pela ambiguidade: ao mesmo tempo em que Gillman narra o enfraquecimento da política e da religião, o músico pede para um “senhor” reagir. Mas, que senhor seria esse? Chávez?
“Mira hacia el cielo. Busco una señal. Algo tiene que pasar. Mesias ¿Dónde estás? Iglesia corrompida. Naciones sin moral. Potencias poderosas, sirven solo al capital. Reacciona señor! Retoma el poder! Rescátanos de la maldad! Que nos quiere joder!” (GILLMAN, 2007).
A palavra de ordem é reação
O trabalho mais recente do músico é “Tributo a los desconocidos” (2011). Provavelmente, vocês devem estar se perguntando qual caminho Gillman tomou após a morte de Chávez, em março deste ano. O headbanger continua com sua banda Gillman e com a produção do Gillman Fest, festival dedicado ao gênero no país. Porém, a homenagem ‘ao amigo’, postada no site oficial, é de deixar qualquer fã de The Doors e Beatles de cabelo em pé: