Lucas Waltenberg – lwaltenberg@gmail.com
Antes que você pergunte, é bom falar: qualquer semelhança com Exile on Main St., clássico álbum dos Stones, não é mera coincidência – mas daqui a pouco a gente chega lá.
Em junho de 1993, uma moça de vinte e poucos anos lançava seu disco de estreia pelo selo Matador Records. Bem antes de Adele cantar sobre amores mal sucedidos, Liz Phair empunhava uma guitarra para falar de experiências sexuais, relacionamentos desastrosos e sonhos. A voz grave, rouca e ligeiramente agressiva, equalizada no som quase áspero das guitarras e da bateria, transporta qualquer pessoa que escuta Guyville para um pub pequeno e mal iluminado – público e artista, cara a cara. Com 18 faixas, Exile in Guyville aparece em diversas listas de melhores álbuns e já foi apontado pela crítica musical como uma obra-prima do rock.
O disco foi inspirado por e estruturado em diálogo com Exile On Main St., dos Rolling Stones. Para início de conversa, ambos possuem o mesmo número de músicas, uma quantidade levemente exagerada para o formato, que costuma variar entre 11 e 14 faixas.
Qualquer coisa que Mick falava, era uma conversa com ele, ou eu estava discutindo com ele. E era tipo um amálgama de todos os homens na minha vida. Por isso, o chamei de Guyville.
Para a criação das músicas, Liz fez anotações e gráficos, estudou todos arranjos de Exile On Main St. e criou símbolos que representavam elementos como reverberação e pedais para usá-los como guias em suas próprias composições:
(…) Tipo, isso é uma resposta perfeita ou está partindo de um ponto de vista parecido. É como se você estivesse falando sobre voltar pra casa depois de dormir com outra pessoa e você dá de cara com sua outra namorada, enquanto faz o walk of shame – eu achava que “Rocks Off” era sobre isso. Então, eu escrevi uma música como se eu fosse a garota que ele encontrou, “6’ 1’’.
Talvez sejam necessários ouvintes mais atentos e especializados do que eu, mas muitas vezes, esse diálogo não aparece tão claramente assim. Não é o caso de “Happy” (faixa 10). Enquanto Mick Jagger canta que “precisa de um amor para deixá-lo feliz”, Liz Phair quer um namorado, “o tipo de cara que faz amor porque está afim” em “Fuck and Run” (faixa 10).
“Sweet Black Angel” (faixa 8), dedicada para a ativista Angela Davis, diz:
bem, ela não é uma cantora
e ela não é uma estrela
mas ela fala bem
e ela se move tão rápido (…)
Ela é um doce anjo negro
não uma doce escrava negra
“Canary” (faixa 8), de Liz, parece incorporar a voz dessa personagem:
Eu canto como um bom canário
eu venho quando sou chamada
eu venho, isso é tudo
Em “Turd On The Run” (faixa 11), Mick Jagger agarra-se desesperadamente a sua namorada, que tenta partir. Liz, em “Girls! Girls ! Girls!” (faixa 11) parece deixar bem clara a razão: “Você esteve por perto o suficiente para saber / que se eu quero ir embora, é melhor você me soltar.”
Outras relações entre as faixas são um pouco mais sutis. “Let it loose” (faixa 14), dos Stones, parece apontar para acontecimentos anteriores a uma relação sexual com uma moça atormentada (ainda que Mick Jagger acredite que a música não possua sentido algum): “Esconda o interruptor, apague a luz / Deixe tudo desmoronar hoje à noite.” Liz Phair vai além em “Flower” (faixa 14):
Tudo o que você sempre quis
Tudo o que você pensou é
Tudo o que eu vou fazer hoje com você
Eu vou te foder até o seu pau ficar azul
“Flower” é um bom exemplo da potência de Guyville. As letras de Liz Phair vão direto ao ponto e com uma crueza que destoa do universo machista do rock – lembrem-se, ela estava falando sobre sexo dessa forma no início dos anos 90. Em recente depoimento sobre Lana Del Rey para o The Wall Street Journal, ela diz:
Eu sou o que chamam de uma feminista pró-sexo. Ou talvez uma feminista radical, ou, espera – esse é legal: uma anarco-feminista! O que quer dizer que eu não dou a mínima para os seus rótulos, eu só quero ouvir as vozes verdadeiras das mulheres se expressando – inteligentes, estúpidas, feias, bonitas, boas, ruins, gordas, magras, todas elas – até que o silêncio profundo que ressoou pela história esteja recheado com um coro saudável vindo do nosso lado.
Depois de Exile in Guyville, Liz Phair não teve muita sorte no mercado fonográfico – pelo menos não se a ideia de sorte estiver atrelada ao sucesso de vendas. Os álbuns posteriores, principalmente a partir do homônimo Liz Phair, lançado em 2003, também não foram tão bem recebidos pela crítica. Entretanto, fica a certeza de que a cantora e compositora, no alto de seus vinte e poucos anos, desempregada e recém-saída da faculdade, marcou seu nome na história do rock.
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Como o post já está bem gordinho, melhor ficar por aqui. Querendo saber mais sobre a produção atual de Liz Phair, leia sobre o bizarro álbum “Funstyle” (2010) e o single “And He Slayed Her”.
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