Em uma apresentação no programa Show Livre, a banda O Teatro Mágico participou de uma brincadeira entre os músicos. A ideia era que cada artista sugerisse um cover – uma canção de outra banda – a ser tocado pelo artista participante em questão. Provavelmente, os músicos do Teatro Mágico não esperavam a sugestão de cover feita pela banda Cine: uma versão da canção “Fuell”, do Metallica.
Militante da cibercultura e defensor da ideia da “música livre” (a canção deve circular livremente e de forma gratuita), Fernando Anitelli, vocalista do Teatro Mágico, de dedo em riste, disparou na hora:
“O Metallica é uma banda que vai totalmente contra aquilo que a gente prega. O Metallica foi a primeira banda a querer processar o Napster, a ser contra a música livre, e dançaram, porque não tem como você fugir disso na nossa geração.”
napster
Relembrando, o Napster é um programa peer to peer criado em 1999 por Shawn Fanning e Sean Parker, protagonizando uma grande disputa jurídica entre a indústria fonográfica e as redes de compartilhamento de música na Internet. O programa permitia que seus usuários fizessem download de arquivos digitais diretamente do computador de um ou mais usuários, com cada computador desempenhando tanto as funções de servidor quanto as de receptor. Na primeira quinzena de abril de 2000, o Metallica moveu um processo contra o Napster, combatendo o programa, ao lado de outros artistas, com diversos advogados e declarações na imprensa. Em uma entrevista durante o Sundance Film Festival em 2004, o baterista Lars Urich e o guitarrista Kirk Hammett afirmavam que não se arrependiam das ações contra o Napster.
A cibercultura torna-se um campo de disputas simbólicas muito representadas na música. Direitos autorais, download gratuito, copyright e copyleft viram “tags” muito utilizadas nos discursos e discussões em torno do assunto. É fato que o surgimento da internet e as reconfigurações no mercado da música a partir dos anos 90 criaram a possibilidade de novos canais de distribuição musical e processos e discursos de distinção.

Foto: divulgação
É em meio a tais processos e discursos que se dá o embate entre a banda O Teatro Mágico e o Metallica (será que eles viram o vídeo?), acerca de uma suposta música livre, Napster e downloads. A defesa da cibercultura na música, no entanto, revela-se algumas vezes um tanto quanto ingênua, como nos afirma Felipe Trotta:
“O mercado de música atual tem se transformado em uma arena de calorosos debates e muitas incertezas. As previsões mais otimistas apontam as novas tecnologias como vetores de uma possível “democratização” da oferta de música disponível, representando uma perda de importância dos grandes conglomerados do entretenimento internacional no cenário. Trata-se de uma utopia um tanto ingênua, que indica certo deslumbramento com as reais possibilidades da atual configuração tecnológica em diversificar o consumo de música. É evidente que se observa a emergência de canais alternativos de circulação musical que, de fato, têm provocado algum aumento da diversificação de ofertas musicais (TROTTA, Felipe; MONTEIRO, Márcio. 2008, pág 11)”.

Foto: divulgação
Fernando Anitelli, no final do vídeo, dá uma trollada no Metallica e acaba não tocando a música. O Teatro Mágico, apesar da defesa da cibercultura e uma crítica voraz à antiga indústria fonográfica e meios de comunicação, utiliza-se desta mesma indústria para se divulgar, como mostra uma recente reportagem do jornal O Globo sobre uma música sua incluída na novela Flor do Caribe. “A gente não pode ser elitista e pensar que apenas quem tem internet pode ouvir nossas músicas”, afirmava o vocalista à reportagem. Incoerência, ingenuidade ou estratégia discursiva? Um caso a se pensar.
*Agradecimentos especiais à Melina Santos, também pesquisadora do Labcult e fã declarada do Metallica, por me apresentar, muito a contragosto, este interessante vídeo, que me rendeu inclusive uma aula sobre música e cibercultura no curso Mídia e experiência musical, na graduação em Estudos de Mídia da UFF. Thanks, Melina.

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